Leonardo Fontenelle
O câncer ainda é uma doença que inspira terror. Algumas pessoas simplesmente se recusam a falar seu nome, preferindo dizer “aquela doença”. Quando a gente fala em câncer, o que vem à mente é uma pessoa saudável que começou a sentir algo e, depois de uma avaliação médica, descobriu que terá poucos e dolorosos meses de vida pela frente. Por isso, quando uma pessoa descobre um câncer num exame de rotina, é compreensível que ela acredite que o exame tenha salvo sua vida.
Acontece que muitos tipos de câncer simplesmente não são tão letais assim. Se a pessoa com câncer não fizer o exame, corre um risco razoável de morrer - por outra causa - sem saber que tinha a doença. E, se o câncer for pouco agressivo, fazer o diagnóstico com anos de antecedência pode fazer pouca diferença nas chances de cura. (Repare que estou falando em anos, e não em estágio clínico.) Além disso, alguns exames são capazes de dizer qual é o grau de agressividade do câncer, mas nunca é possível ter certeza se o tumor vai ou não matar a pessoa.
No caso do câncer de mama, um estudo recém-aceito pela revista Annals of Internal Medicine calculou qual é a chance, para uma mulher que descobriu o câncer de mama num exame de rotina, de que a mamografia tenha realmente salvado a sua vida.
Os pesquisadores utilizaram dados do National Health Interview Survey de 2003 para saber qual é a proporção, nos Estados Unidos, dos cânceres de mama que são detectados através de mamografias de rotina. Mesmo depois de uma série de suposições otimistas, os pesquisadores chegaram à estimativa de que o diagnóstico precoce só faz a diferença em menos de 25% dos casos. Para a maioria das mulheres, portanto, o diagnóstico de câncer de mama numa mamografia de rotina não traz qualquer melhoria da expectativa de vida.
Colocando em outros termos, uma série de mulheres que já não iria morrer de câncer de mama passa a receber o diagnóstico por causa do exame de rotina. Ironicamente, isso aumenta em muito o número de mulheres vivas que já tiveram um diagnóstico de câncer de mama, e que portanto se consideram salvas pela mamografia.
É importante notar que o estudo diz respeito à mamografia de rotina, e não àquela solicitada para avaliar um nódulo ou outro sinal. Além disso, a pesquisa não foi feita para avaliar se a mamografia funciona ou não; pelo contrário, ela partiu da suposição de que a mamografia seja capaz de diminuir a mortalidade.
O que a pesquisa mostrou é que, quando uma pessoa aparece na televisão dizendo que a mamografia de rotina salvou de rotina, essa pessoa está provavelmente enganada. Nem a mamografia e, principalmente, nem o câncer de mama são tão dramáticos assim. (Leia também: Nem sempre é melhor prevenir do que remediar.)
Agradeço ao médico de família e comunidade espanhol Juan Gérvas por divulgar o estudo. Semana que vem terei o prazer de publicar mais um artigo com base em material que ele divulgou; desta vez, um relatório de um estudante de medicina português sobre seu estágio numa unidade de Saúde da Família daquele país.
O câncer ainda é uma doença que inspira terror. Algumas pessoas simplesmente se recusam a falar seu nome, preferindo dizer “aquela doença”. Quando a gente fala em câncer, o que vem à mente é uma pessoa saudável que começou a sentir algo e, depois de uma avaliação médica, descobriu que terá poucos e dolorosos meses de vida pela frente. Por isso, quando uma pessoa descobre um câncer num exame de rotina, é compreensível que ela acredite que o exame tenha salvo sua vida.
Acontece que muitos tipos de câncer simplesmente não são tão letais assim. Se a pessoa com câncer não fizer o exame, corre um risco razoável de morrer - por outra causa - sem saber que tinha a doença. E, se o câncer for pouco agressivo, fazer o diagnóstico com anos de antecedência pode fazer pouca diferença nas chances de cura. (Repare que estou falando em anos, e não em estágio clínico.) Além disso, alguns exames são capazes de dizer qual é o grau de agressividade do câncer, mas nunca é possível ter certeza se o tumor vai ou não matar a pessoa.
No caso do câncer de mama, um estudo recém-aceito pela revista Annals of Internal Medicine calculou qual é a chance, para uma mulher que descobriu o câncer de mama num exame de rotina, de que a mamografia tenha realmente salvado a sua vida.
Os pesquisadores utilizaram dados do National Health Interview Survey de 2003 para saber qual é a proporção, nos Estados Unidos, dos cânceres de mama que são detectados através de mamografias de rotina. Mesmo depois de uma série de suposições otimistas, os pesquisadores chegaram à estimativa de que o diagnóstico precoce só faz a diferença em menos de 25% dos casos. Para a maioria das mulheres, portanto, o diagnóstico de câncer de mama numa mamografia de rotina não traz qualquer melhoria da expectativa de vida.
Colocando em outros termos, uma série de mulheres que já não iria morrer de câncer de mama passa a receber o diagnóstico por causa do exame de rotina. Ironicamente, isso aumenta em muito o número de mulheres vivas que já tiveram um diagnóstico de câncer de mama, e que portanto se consideram salvas pela mamografia.
É importante notar que o estudo diz respeito à mamografia de rotina, e não àquela solicitada para avaliar um nódulo ou outro sinal. Além disso, a pesquisa não foi feita para avaliar se a mamografia funciona ou não; pelo contrário, ela partiu da suposição de que a mamografia seja capaz de diminuir a mortalidade.
O que a pesquisa mostrou é que, quando uma pessoa aparece na televisão dizendo que a mamografia de rotina salvou de rotina, essa pessoa está provavelmente enganada. Nem a mamografia e, principalmente, nem o câncer de mama são tão dramáticos assim. (Leia também: Nem sempre é melhor prevenir do que remediar.)
Agradeço ao médico de família e comunidade espanhol Juan Gérvas por divulgar o estudo. Semana que vem terei o prazer de publicar mais um artigo com base em material que ele divulgou; desta vez, um relatório de um estudante de medicina português sobre seu estágio numa unidade de Saúde da Família daquele país.
Postado por: Leonardo Araújo
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