quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uma retrato do aborto no Brasil

Esse ano foi realizada a primeira Pesquisa Nacional de Aborto, abrangendo 2002 mulheres de todo o território nacional. A pesquisa consistiu num inquérito domiciliar, semelhante aos realizados pelo IBGE, mas usando uma técnica com urna para garantir a sinceridade da entrevistada. Os primeiros resultados foram publicados em junho na revista científica Ciência & Saúde Coletiva.


© Suparna Sinha (CC-BY-SA-2.0)

A informação que mais chama a atenção é que, ao completarem 40 anos de idade, mais de um quinto das mulheres brasileiras já induziram pelo menos um aborto. A proporção foi maior entre mulheres com menor escolaridade, mas não houve muita diferença entre religiões.


Uma das preocupações da pesquisa foi simplificar as perguntas, para não confundir as mulheres com menor escolaridade. Dessa forma, os resultados não incluem o número de abortos induzidos por cada mulher. Além disso, as mulheres analfabetas não foram entrevistadas, por não poderem responder sozinhas às perguntas do papel que deveriam depositar na urna.

Das 2002 mulheres entrevistadas, 296 admitiram já ter abortado pelo menos uma gravidez, ou seja, 14,8%. Esse número é uma média para todas as entrevistadas, que tinham entre 18 e 39 anos de idade. Apenas 5,7% das mulheres com 18 a 19 anos de idade já abortaram uma gravidez, mas na faixa etária dos 35 aos 39 anos essa proporção chega aos 22,2%.

As mulheres com até 4 anos de estudo foram as que mais admitiram ter abortado: 23,0%. Essa proporção vai caindo com o aumento da escolaridade: 18,6% para as com 5 a 8 anos de estudo, e 11,8% para as com ensino médio. Depois a estatística volta a subir: 14,0% das mulheres com nível superior completo ou incompleto já induziram pelo menos um aborto. A maior parte das entrevistadas tinha nível médio, de forma que essa é a escolaridade de 38,8% das mulheres que já realizaram pelo menos um aborto.

Essa variação não chega a ser tão grande com relação à religião da entrevistada. 15,0% das mulheres católicas e 13,1% das mulheres protestantes ou evangélicas já abortaram uma ou mais gravidezes. Essa proporção é de 17,8% entre as sem religião (ou que não informaram sua religião), e 16,0% para as com outras religiões. Como o catolicismo continua sendo a religião mais professada no Brasil, 59,1% das mulheres que já induziram um ou mais abortos são católicas.

A pesquisa também coletou dados sobre o último aborto realizado pelas mulheres. O método utilizado incluiu algum medicamento em 47,6% dos casos, e a internação foi necessária em 55,4% dos abortos (contando tanto os com medicamento quanto os com outros métodos). Dentre as mulheres que informaram quando foi seu último aborto, 19,8% disseram que foi entre os 12 e os 17 anos de idade, e 60,1% disseram que foi entre os 18 e os 29 anos. (A idade média da primeira relação sexual no Brasil é de 13 anos.) 14,5% das mulheres que realizaram pelo menos um aborto não disseram com que idade ele foi induzido.

Essas são estatísticas descritivas, e por isso não nos permitem saber, por exemplo, se o ensino superior realmente está associado com as chances de uma mulher ter realizado um aborto (ou vice-versa). Mulheres com ensino superior provavelmente têm idade superior à das que contam apenas com o ensino médio, e a proporção de mulheres que já interrompeu uma gravidez aumenta com a idade. Imagino que em breve teremos estatísticas analisando ao mesmo tempo a participação da idade, da escolaridade e da religião nas chances da mulher ter induzido um ou mais abortos. Além disso, seria muito bom saber se o método empregado ou as chances da mulher precisar de uma internação dependem de características da mulher, bem como saber se as chances de internação estão associadas ao método empregado.

Espero que edições futuras da Pesquisa Nacional de Aborto abordem outras questões, como cor da pele ou a classe socioeconômica, que parecem estar associadas às chances da mulher induzir um aborto, ou morrer ou ser internada em decorrência de um aborto. Até lá, recomendo a leitura do relatório “Aborto e saúde pública no Brasil: 20 anos”, publicado pelo Ministério da Saúde em 2009. Usando uma linguagem bem acessível, o documento resume as pesquisas científicas mais importantes sobre o tema no Brasil, até o ano de 2007.

Esse é um assunto bem polêmico, e por isso peço a todos que leiam os termos de uso do Doutor Leonardo antes de fazer comentários.

Aproveito para anunciar que daqui a alguns dias publicarei, a pedido de uma leitora, um artigo sobre a contracepção de emergência, mais conhecida como pílula do dia seguinte.



Participe!
Postado por: Leonardo Araújo

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